Quando comecei a ler o livro de Mali, destino desconhecido para mim tanto quanto era o Butão, senti certa dificuldade, porque meu espírito ainda permanecia nas montanhas do Himalaia. Então, mudar assim repentinamente da Ásia para a África parecia muito difícil. No entanto, a história que Amadou Hampâte Bâ nos conta, no seu livro, é tão fantástica, que somos levados a mergulhar nela de cabeça. Como explica Fábio Leite no prefácio do livro, existem duas maneiras distintas de se ver a África, de fora para dentro, ao que ele chama de África-Objeto que não se explica adequadamente, e é como estamos acostumados a ver. A outra é de dentro para fora, onde se tem uma visão interna da África-Sujeito, “a África da identidade profunda, originária, mal conhecida, portadora de propostas fundadas em valores absolutamente diferenciais.” Neste livro vamos conhecer a África-Sujeito, e se deparar com uma visão da cultura africana tão rica e ao mesmo tempo tão ignorada por nós, que chega a ser desconcertante. E olhe que o livro se restringe apenas as tradições da savana africana, que se estende de leste ao oeste ao sul do Saara. Senti tristeza, ao perceber, o quanto o povo africano foi prejudicado com a dominação européia, que retalhou o continente entre eles, escravizou o povo e interferiu nos costumes. Um exemplo dessa interferência, Amadou nos descreve ao mencionar os efeitos que a 1ª guerra mundial provocou na tradição oral dos conhecimentos da África originária. A maioria dos jovens foi lutar ao lado dos franceses, esvaziando os saraus, locais onde se reuniam para contar histórias, cantar e onde os mais velhos transmitiam os conhecimentos para os jovens. Como cita Amadou: “Na África cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima.”
O livro “Amkoullel, o Menino Fula” é um relato auto-biográfico de Amadou, que vai do nascimento, que ele acredita ter sido no ano de 1900, na aldeia de Bandiagra, Mali, até a juventude. Através de sua história, do relacionamento com sua família, viagens que fez com a família e das que realizou sozinho, somos transportados para Mali, suas cidades e costumes impressionantes que ele descreve com riqueza de detalhes. Muito interessante também a maneira como descreve a chegada do homem branco, que segundo se dizia tinha saído do grande rio de água salgada.
Graças a habilidade de Amadou para assimilar o costume da tradição oral que existia na África, e transmitir as narrativas de memória, tornou-se especialista na tradição oral e no estudo da sociedade negro-africana das savanas. E graças a ele, também tivemos mais um livro perfeito para o #198 livros.
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